Nem todas as vendas resultam em recebimentos. Em muitos casos, o cliente atrasa, adia ou simplesmente deixa de pagar, e a empresa vê-se obrigada a lidar com valores em aberto que podem nunca ser recuperados. São as chamadas dívidas de cobrança duvidosa, um problema que afeta empresas de todos os setores e dimensões.
Compreender o que são, como identificá-las e quais as estratégias para reduzir o seu impacto é essencial para garantir uma tesouraria saudável e uma contabilidade transparente.
O que são dívidas de cobrança duvidosa?
As dívidas de cobrança duvidosa são valores em aberto que, embora ainda não tenham sido considerados incobráveis, apresentam elevado risco de não serem pagos.
Podem resultar de atrasos prolongados no pagamento, dificuldades financeiras dos clientes, litígios comerciais, processos de insolvência, histórico de incumprimento ou processos judiciais em curso.
Estas situações afetam diretamente o balanço e as demonstrações de resultados da empresa, uma vez que obrigam à constituição de provisões ou à baixa contabilística dos montantes em causa. Quanto mais cedo forem identificadas, menor será o impacto sobre a liquidez e a rentabilidade.
Principais sinais de alerta
O primeiro sinal de que uma fatura pode tornar-se de cobrança duvidosa é, muitas vezes, o atraso no pagamento. No entanto, há outros fatores que devem ser acompanhados de perto:
- Atrasos recorrentes nos pagamentos, mesmo após lembretes ou renegociações;
- Comunicações evasivas ou ausência de resposta por parte do cliente;
- Pedidos frequentes de prorrogação de prazos ou alterações nos acordos;
- Alterações súbitas na situação financeira do cliente (ex.: quebra de faturação, processos de insolvência);
- Abertura de processos judiciais, de insolvência ou reestruturação;
- Deterioração da relação comercial, com aumento de reclamações ou devoluções injustificadas;
- Histórico de incumprimento em contratos anteriores.
A monitorização contínua da carteira de clientes é, por isso, uma ferramenta essencial para antecipar riscos e agir rapidamente.
Como registar contabilmente uma dívida de cobrança duvidosa
Do ponto de vista contabilístico, existem duas abordagens principais para lidar com dívidas de cobrança duvidosa:
1. Constituição de provisões
A empresa mantém a dívida em aberto, mas cria uma provisão para perdas esperadas, refletindo o risco de não cobrança.
Esta abordagem permite manter o valor contabilizado nas contas a receber, ajustando o lucro líquido, aplicando o princípio da prudência contabilística.
2. Baixa definitiva da dívida
Quando se considera que a recuperação é praticamente impossível – por exemplo, em casos de falência do cliente ou sentença judicial desfavorável – a dívida é baixada do ativo, reconhecendo-se uma perda efetiva.
A decisão entre constituir provisão ou dar baixa depende da política contabilística da empresa, da probabilidade de recuperação e do enquadramento fiscal.
Se posteriormente a empresa recuperar parte do valor, esse montante é ajustado contabilisticamente como recuperação de crédito.
3. Recuperação de impostos associados
Em determinados casos, é possível recuperar o IVA relativo a dívidas dadas como incobráveis, desde que sejam cumpridos os requisitos legais, como comprovar tentativas de cobrança e declarar a insolvência do devedor.
Se mais tarde o valor for parcialmente recuperado, a empresa deve ajustar o alívio fiscal obtido. Este mecanismo ajuda a reduzir o impacto líquido da perda e a melhorar o controlo financeiro das contas a receber.
Estratégias para reduzir o risco de cobrança duvidosa
Prevenir é sempre mais eficaz do que remediar. Para reduzir a exposição ao incumprimento, as empresas podem adotar várias práticas de gestão de risco. A gestão de crédito deve ser uma prioridade em qualquer empresa que venda a prazo ou trabalhe com contas correntes.
Avaliação de crédito rigorosa
Antes de conceder crédito, é fundamental analisar o histórico financeiro do cliente: balanços, relatórios de crédito e solvência e o comportamento de pagamento dos clientes. Ferramentas de scoring e relatórios de crédito ajudam a identificar riscos antes da venda.
Definição de limites e prazos adequados
Estabelecer limites de crédito proporcionais à capacidade financeira do cliente e prazos realistas de pagamento reduz o impacto de eventuais incumprimentos.
Políticas de cobrança estruturadas
Um processo de cobrança eficiente deve incluir lembretes automáticos, comunicação proativa e contacto direto com clientes em atraso e, quando necessário, encaminhamento para cobrança de pré-contencioso ou assessoria especializada.
A gestão preventiva e organizada aumenta a taxa de recuperação e reduz a dependência de medidas judiciais.
Utilização de seguro de crédito
O seguro de crédito empresarial é a forma mais completa de proteção contra dívidas de cobrança duvidosa.
Além de compensar financeiramente a empresa em caso de incumprimento, este tipo de seguro inclui serviços de análise de risco e acompanhamento da carteira de clientes, permitindo antecipar problemas antes que se tornem perdas efetivas.
Impacto na saúde financeira da empresa
Ignorar ou atrasar o tratamento das dívidas de cobrança duvidosa pode distorcer a realidade financeira da empresa e comprometer decisões estratégicas.
Entre os principais impactos estão:
- Redução da liquidez e do capital circulante disponível;
- Aumento do risco financeiro e da necessidade de financiamento externo;
- Diminuição da rentabilidade e dos resultados operacionais;
- Perda de credibilidade junto de bancos, investidores e parceiros comerciais.
Ao adotar práticas de controlo rigorosas e instrumentos de proteção adequados, é possível reduzir o impacto destas dívidas e preservar a estabilidade financeira.
Gerir o risco de cobrança duvidosa é essencial para a sustentabilidade financeira das empresas. A prevenção, a disciplina contabilística e a gestão profissional de risco são, hoje, pilares indispensáveis para garantir estabilidade e competitividade num mercado cada vez mais exigente.
Com políticas de crédito sólidas, análise regular da carteira e apoio de soluções como o seguro de crédito, é possível transformar o risco de incumprimento num processo controlado.
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